FANFICTIONS: uma releitura do mundo a partir do olhar dos jovens
- Maria Angela Soares
- 17 de nov. de 2016
- 4 min de leitura

Maria Angela Soares, autora do artigo (Foto: Reprodução / Facebook)
A prática de escrita e leitura de Fanfictions pode ser entendida como o reflexo de um novo tempo em que as formas tradicionais de perceber a realidade não dão mais conta de atender às demandas dos jovens e estes têm na internet uma nova possibilidade de contato com o mundo.
A juventude desses novos tempos não se contenta com a forma de vida previsível que a educação tradicional impõe e encontra no espaço digital a possibilidade de expor suas ideias, sentimentos, valores e crenças, de acordo com esse novo momento.
Vive-se um tempo em que as relações pessoais são menos intensas, considerando as exigências da sociedade de mercado, que impõe um estilo de vida dedicado à produção da vida material, em um tempo cada vez mais escasso, com o consumo substituindo a cidadania e fragilizando, assim, os laços sociais, mesmo dentro das famílias.
Nesse contexto, as trocas interpessoais se fragilizam e a nova realidade social abre espaço para o mundo digital como forma dos indivíduos se situarem como sujeitos e estabelecerem interações, que são necessárias no processo de socialização, principalmente dos adolescentes e dos jovens.
Esse vácuo de interações pode ser assimilado como um vazio para muitos, mas, para outros, essa condição se apresenta como oportunidade de descobrir talentos e de se relacionar com outros indivíduos que compartilham a mesma realidade e os mesmos interesses. A produção e leitura de fanfictions têm se apresentado, então, como caminho para novas descobertas e para o desenvolvimento de novos talentos.
A prática de produção desses textos permite a expressão de sentimentos, a exposição de ideias e valores, permitindo aos jovens serem vistos e percebidos como sujeitos, dando-lhes o destaque social que a hibridez da vida moderna lhes nega. A juventude se recusa a ser “mais um na multidão”, na sociedade regida pelas imagens e pelas sensações, e busca sua visibilidade pelos mais variados meios, sendo a produção de fanfictions uma das formas de sucesso.
Os adolescentes e jovens que se dedicam à produção desses hipertextos são consumidores de textos da indústria cultural (filmes, livros, etc.), que, em geral, são produtos vistos com preconceito pela sociedade, e esses jovens se permitem transformar esses produtos de acordo com os seus desejos e visões de mundo.
Os fanfictions traduzem-se em uma “customização” das histórias preferidas, em que o autor pode (re)criar os roteiros do seu jeito, criando o final segundo seus desejos e interesses. Para essa produção ser aceita e valorizada é necessário que tenha a qualidade que os amantes do gênero exigem e, para isso, há necessidade do autor aprofundar a prática da leitura, aprimorar o processo de criação, desenvolver a capacidade de interação e produzir textos inovadores e bem escritos.
Os novos contextos sociais e de relacionamentos interpessoais exigem novos gêneros textuais e os textos produzidos no gênero fanfictions quebram a linearidade dos escritos tradicionais, tornando-os mais interessantes para a juventude, daí o sucesso do gênero. A leitura na tela do computador, considerada cansativa e desinteressante para as pessoas mais antigas, é mais atrativa para os jovens que passam muito tempo navegando nas redes digitais. Estes consideram desinteressante a leitura em papel e sem imagens e os novos tempos lhes permitem criar seus próprios textos e compartilhar com seus iguais, mesmo navegando contra a corrente do preconceito que o gênero enfrenta.
O preconceito decorre da desvalorização da indústria cultural e das novas formas de verbalização utilizadas pelo gênero fanfiction, que não são aceitas pelas famílias, pela escola e pela sociedade. Mas, mesmo convivendo com essa avaliação marginal, os jovens têm se dedicado à leitura e à produção de textos, visando se aproximar dos seus ídolos e torná-los mais “humanos” dando o rumo desejado às suas histórias.
Essa prática ressignifica a existência de muitos adeptos do gênero, funcionando como válvula de escape para a solidão da vida moderna e/ou apontando novas perspectivas de vida, pois vários desejam se tornar escritores famosos a exemplo de outros que atingiram o sucesso.
Há os que adotam o gênero por curiosidade ou como forma de passar o tempo, mas a experiência tem resultado em efeitos significativos para todos, sendo os mais positivos o despertar do interesse pela leitura, o aprimoramento da escrita, o desenvolvimento da criatividade e a possibilidade de saírem da invisibilidade a partir da publicação dos textos e da interação com outros adeptos do fanfiction.
Como efeitos negativos podem ser apontados os casos em que os praticantes do fanfiction o adotam como forma de suprir carências afetivas, resolver problemas de insônia e depressão, fugirem de uma realidade que os aflige ou apenas ocupar o tempo livre. Há os que apontam ser o gênero uma possibilidade de fazer amigos e de serem vistos. É preciso que se tenha em mente que, no mundo digital as pessoas podem conduzir suas histórias de acordo com os seus desejos e sonhos, mas não se pode perder de vista que na vida real é preciso enfrentar as contradições que o mundo apresenta.
É sabido que a utilização da língua se modifica com o passar do tempo e com as novas tecnologias, gerando novas necessidades de comunicação e novos desejos de expressão. No entanto, ressalta-se que as formas digitais, mesmo considerando seus efeitos positivos, não devem substituir as relações pessoais e afetivas reais. A vida não pode se resumir a uma tela de computador e a histórias imaginárias, pois a vida precisa ser muito mais para fazer sentido.
¹ Socióloga, Mestra em Educação, Professora da Universidade Vila Velha/ES.

Comentários